ESPECIAL EAD – Ensino técnico contribui para meio ambiente e resgate de cultura

por Rebeca publicado 30/12/2019 11h36, última modificação 30/12/2019 11h36
Confira a série de matérias resultantes da última visita de 2019 da Dipead e do Nead/CAM para acompanhamento e monitoramento das ações em seis dos sete polos de EAD. A viagem levou cinco dias e quase 1.000 km foram percorridos

 

ACOMPANHAMENTO E MONITORAMENTO
Seis dos sete polos de Educação a Distância do IFRR/Campus Amajari recebem visita


 

 Em funcionamento em sete localidades, sendo três em comunidades indígenas, seis dos polos do Núcleo de Educação a Distância (Nead) do Campus Amajari do Instituto Federal que oferecem o curso subsequente de Técnico em Agropecuária receberam a visita de acompanhamento e monitoramento das ações pela Coordenação e pela Diretoria de Políticas de Educação a Distância (Dipead).

Foram 965 km percorridos no período de 13 a 17 de dezembro. Nos cinco dias de viagem, os polos visitados foram os das sedes dos municípios do Uiramutã e de Normandia, e os das comunidades indígenas Raposa e Araçá da Serra (Normandia) e do Truaru da Cabeceira (área rural de Boa Vista), além da Vila do Taiano (Alto Alegre). As turmas são formadas, predominantemente, por alunos indígenas.

Quase mil quilômetros percorridos

As viagens de monitoramento da Dipead ocorrem ao menos duas vezes ao ano. E, como o curso técnico está encerrando o último semestre de aula e deve formar as sete turmas com 106 alunos em março de 2020, a diretora da Dipead, Betânia Grisi, acompanhada da coordenadora do Nead, Edivânia Santana, visitaram os polos para conversar com os estudantes sobre a oferta e as expectativas de atuação, bem como resolver pendências, como aplicação de provas e recebimento de trabalhos.

Nas visitas em cada polo, as gestoras ouviram dos estudantes as dificuldades enfrentadas ao longo do curso, bem como os aprendizados que estão utilizando para melhorar a produção agrícola, visto que a maioria deles são filhos de pequenos agricultores ou têm família que trabalha com a terra ou com a pecuária.

Foi quase unanimidade entre os alunos a fala de que deixaram de usar o fogo como forma de preparo da terra. Essa “cultura” é até hoje praticada em todo o estado, seja por indígenas, seja por brancos. Quando o inverno se aproxima, é comum o número de queimadas aumentar. Mas, se depender dos novos técnicos em agropecuária, essa é uma cultura que ficou para trás.

E os bons exemplos vão ganhando fama. Adotando as “novas técnicas” em suas comunidades, quatro alunos indígenas da turma do polo presencial do Araçá da Serra, em Normandia, foram convidados para palestrar na Comunidade Indígena Teso do Gavião, que fica próxima, sobre compostagem e prática de fogo.

Aluna Lucivânia Servino Andrade

Uma dessas alunas é Lucivânia Servino Andrade, 32, que já tem formação como técnica em cooperativismo pela EAD/CAM. Ela contou que, no atual curso técnico, adquiriu conhecimentos importantes para serem aplicados na família e na comunidade. “Através do meu irmão, que dá aula na escola de lá, a gente foi convidado para falar”, disse.

Outro bom exemplo de respeito ao meio ambiente e melhoria do plantio com aplicação das técnicas aprendidas no decorrer do curso é o da aluna Deucineide Batista Alves, do polo da sede de Normandia, que chegou a pensar em desistir do curso.Aluna Deucineide Batista Alves 

Na casa dela, aplicou os conhecimentos para plantar banana, feijão, mandioca e pimenta. “Eu plantava sem conhecimento e, às vezes, dava certo. Hoje, seguindo as orientações dos professores, eu corto a maniva de forma correta, e até comi banana de uma bananeira que nunca tinha dado cacho”, explicou.

O curso também ajudou em áreas como planejamento e organização, segundo, Fabiane Pereira da Silva, moradora da Comunidade Indígena da Barata (Alto Alegre) e aluna do polo do Taiano.Aluna Fabiane Pereira da Silva,

“Contribuiu muito na minha organização, no meu planejamento financeiro, porque passei a ter a visão de criar para ter renda, de pensar no amanhã, e não apenas em ter hoje para comer. E envolvo minha família nisso. Minha filha até faz planos de estudar no instituto”, frisou.

Para a diretora da Dipead, Betânia Grisi, com todos os desafios de fazer o ensino a distância, que vão desde as dificuldades de ter, em todas as localidades, a estrutura mínima para receber as equipes de profissionais que fazem ocorrer a EAD até o acesso a internet, ouvir depoimentos de jovens e adultos de que o IFRR tem feito a diferença na vida deles é um combustível. “Estamos muito felizes com os resultados alcançados e encontrados em cada polo visitado. Com todos os desafios, nós nos deparamos com resultados positivos, e isso nos motiva cada vez mais a buscar melhorias para a EAD”, afirmou.

Já a coordenadora do Nead, Edivânia Santana, lembra os muitos obstáculos enfrentados, sendo que inicialmente muitos estudantes não tinham sequer contato com as tecnologias da informação e da comunicação (TICs). Após ser identificado esse problema, toda a equipe foi mobilizada para encontrar estratégias que facilitassem o acesso aos conteúdos, visando superar as dificuldades.  

Diretora da Dipead, Betânia Grisi, e a coordenadora do Nead, Edivânia Santana

“Nossa equipe precisou repensar estratégias para conseguir superar as dificuldades, sobretudo de forma coletiva, observando o que tinha dado certo na estratégia individual, para então tornar coletiva nossa forma de ensinar. Tivemos de fazê-los entender que as dificuldades com internet, energia, logística não eram problemas do curso e que tínhamos de ter alternativas para superá-las, deixando o vitimismo de lado. Ouvi-los e vivenciar suas experiências nos mostra que todo o esforço valeu a pena. Agradeço a toda a equipe de educadores o empenho e o esforço para que possamos atuar da melhor maneira possível”, comentou Edivânia.

 

 

ENSINO TÉCNICO A DISTÂNCIA
Respeito ao meio ambiente e resgate de culturas

 

 

Em algum momento da viagem de acompanhamento e monitoramento das ações em seis polos presenciais de Educação a Distância do Campus Amajari, uma das famosas frases de Albert Einstein, “a mente que se abre para uma nova ideia jamais volta ao seu tamanho original”, foi lembrada por um dos alunos do curso subsequente de Técnico em Agropecuária.

Mas foi lembrada como fala de um dos professores em sala de aula, como forma de motivação. É dessa forma que a mente de mais de 100 estudantes chega à reta final do curso técnico, depois de um ano e meio de encontros presenciais, a maioria deles feitos duas vezes ao mês (quando os recursos não estavam contingenciados) e de aulas práticas realizadas dentro da realidade de cada polo.

Com previsão de formatura para março de 2020, os componentes curriculares ajudaram a mudar mentes acostumadas a hábitos seculares, como deixar de tocar fogo para plantar e “limpar a terra”, para preservá-la e usar o material como adubo orgânico.  O respeito ao meio ambiente saiu do discurso para fazer parte do dia a dia de muitas famílias desses estudantes.

Esse é o caso da aluna do polo da Comunidade Indígena do Truaru da Cabeceira, em Boa Vista, Ederaima Matias da Silva, que diz ter aprendido muito sobre a importância de preservar o meio ambiente e que está repassando esses ensinamentos.  Já explicou para a mãe e a tia que o fogo “acaba com a terra” e que as folhas queimadas viram adubo orgânico. “É muito importante manter a natureza no seu perfeito estado”, comentou.

Aluna Ederaima Matias da Silva

O curso também despertou o desejo de resgatar um costume muito comum, mas pouco visto atualmente: a utilização de plantas medicinais para tratar doenças. A aluna do polo da Raposa, Município de Normandia, Esdras Raposo, 41, da Comunidade Indígena do Napoleão, é apaixonada por plantas. Ela decidiu utilizar o aprendizado do curso para fazer uma horta de plantas medicinais no posto de saúde da comunidade onde vive para ajudar os irmãos indígenas.

Aluna Esdras Raposo

No começo do curso técnico, Esdras queria apenas aprender as técnicas para praticar em casa, mas decidiu ir além e ajudar a comunidade dela resgatando o uso de plantas medicinais no tratamento de doenças. “Vejo que a população só utiliza remédios de posto, e antigamente, nós, indígenas, os nossos pais, usávamos muito as plantas medicinais. E, quando entrou a outra medicina (remédios de farmácia), foram deixando, e quero resgatar essa cultura”, explicou, acrescentando que um espaço já foi preparado atrás do posto, para, em breve, tirar o projeto do papel.

 No polo de Uiramutã, encontramos a aluna Jocivania da Silva Oliveira, que faz graduação em Ciências da Natureza e que se identificou com o estudo de horticultura. Ela construiu uma horta em casa, com plantações de tomate, cheiro-verde, couve, alface, que virou até point de visitação de alunos da escola ao lado da casa dela.

Aluna Jocivania da Silva

Jocivânia comenta que já produzia, mas que antes desconhecia as técnicas corretas. “Estou colocando em prática tudo que aprendi, e estou amando produzir. Os produtos são de qualidade porque são produzidos na técnica. Deu bastante tomate, e a gente nem gastou mais comprando tomate”, disse.

 

 

Cooperativa de Artesãos é criada a partir de conhecimentos de sala de aula

 

Os componentes curriculares estudados no curso subsequente de Técnico em Agropecuária na modalidade EAD do IFRR/Campus Amajari também ajudaram a despertar o espírito empreendedor, seja de forma individual, seja coletiva. Em Normandia, a aluna Maria de Lourdes Santos Celestino, que aplicou vários aprendizados na família, resolveu ir além.  Incentivou e ajudou a criar a Cooperativa dos Artesãos de Normandia (Coopertan).

Iniciada a partir da inquietação de dona Lourdes com a falta de ação de valorização dos artesãos do município e depois de ela cursar a disciplina Cooperativismo e Associativismo no primeiro semestre do curso, a Coopertan foi criada e funciona provisoriamente na casa dela. Hoje conta com 21 membros e ganhou o terreno para a sede própria.

Iniciativa foi da aluna Maria de Lourdes Santos Celestino

Conforme Lourdes, antes de cursar a disciplina desconhecia a diferença entre cooperativa e associação. “Pensei que fosse a mesma coisa, mas, quando comecei a estudar, vi que na associação o presidente é responsável por fazer crescer, desenvolver e que na cooperativa cada membro é responsável por fazer funcionar”, disse.

Então, como estava inquieta por ver os artesãos da cidade atuando de forma anônima, resolveu aliar os conhecimentos da sala de aula e trabalhar para que o município tivesse uma cooperativa. Antes de sair do papel, dona Lourdes chamou alguns artesãos para participarem de uma exposição dos trabalhos na praça da cidade, e a participação foi um sucesso. A ideia era incentivar os participantes e mostrar que dava certo. E deu muito certo.

Artesanatos produzidos pelos cooperados

Depois disso, ocorreram reuniões e a ideia saiu do papel. “Achei interessante juntar os artesãos, unir e fazer um ponto turístico com nossos artesanatos, porque Normandia tem grandes festas, como a da Melancia, a da Padroeira, entre outras. Algumas dessas pessoas vinham me procurar para levar lembrancinhas para a família, os amigos”, explicou, afirmando que trabalha com material reciclado, como tronco de árvore, casca de coco.

Parte dos membros da cooperativa

Quem participa da cooperativa e está empolgado com o futuro é o casal Rosilene Andrade Servino e Valdir Santos Celestino. Ela produz peças de barro, crochê e sabão líquido. Ele trabalha com madeira e está disposto a contribuir para outras artes, como utilizar o aprendizado do curso de pintura em tecido de que participou. Rosilene acredita que a participação na cooperativa vai ajudar na renda familiar. “Penso que vai ser muito boa para ajudar minha família”, disse.

Rosilene Andrade produz panelas de barro

Para Valdir, a iniciativa da cooperativa é uma forma de contribuir para o município e valorizar as pessoas. “A gente tem que fazer acontecer. A força de vontade é crescer e desenterrar os talentos que estavam enterrados aqui neste município. Agora estão aparecendo as pessoas que sabem fazer vários tipos de artesanato regional. A tendência é crescer, e é isso que espero da nossa cooperativa”, frisou.

 

 

Empreendedora triplica produção de pimentas com aprendizado do curso técnico

 

Plantando, colhendo e comercializando molho de pimentas há pelo menos oito anos, a administradora de empresas e produtora rural Samara Gentil Rodrigues é uma das alunas do curso Técnico em Agropecuária na modalidade a distância oferecido pelo Campus Amajari do Instituto Federal de Roraima. Ela produz em um sítio da região da Serra da Moça, distante 100 km do polo de estudos, o do Truaru da Cabeceira, comunidade indígena da região rural de Boa Vista. 

Plantação de pimentas da produtora

Com duração de um ano e meio, o curso obrigou Samara a percorrer 200 km para ir e voltar ao polo, uma vez ao mês, e aprender mais de uma área que ela julgava conhecer. As técnicas aprendidas durante as aulas a fizeram melhorar o rendimento dos negócios e, conforme declaração dela, durante o último encontro com gestores da EAD do IFRR antes da formatura, prevista para março de 2020, a produção de pimentas triplicou, e, por conseguinte, os lucros também. “O que eu aprendi com minha mãe, eu aprimorei aqui [no curso]”, disse.

Produtora Samara Gentil

A produtora mantém contrato com a maior rede de supermercados da cidade e com vários comércios/mercados, além de produzir molhos artesanais que comercializa. Antes de ganhar a terra para trabalhar, Samara era bancária e tinha começado mais um curso superior, o de Contabilidade. Mas, como sempre cultivou o desejo de trabalhar com a terra, largou tudo e resolveu investir no sítio.

“Minha mãe é de roça, criou sete filhos com plantação de pimenta, seis pegaram caminhos diferentes e só eu decidi voltar a trabalhar na terra. Chutei emprego, cidade, formatura. Minha filha já estava criada, deixei-a com o pai e fui trabalhar com o que eu sempre quis. Ganhei até um apelido, a louca, mas a louca hoje tem contratos com o Goiânia, mercados, peixaria, fora os molhos artesanais, em que a pessoa escolhe a pimenta, e eu desenvolvo”, explicou.

A matrícula dela no curso veio de uma forma inusitada. O marido, que é funcionário público, teria visto a oferta e o chamado para ir até o Amajari, sede do campus responsável pelo curso. Até então, ela não sabia o que faria até chegar lá. “Tinha que fazer “panha” (colheita da pimenta), mas ele [marido] me chamou para ir ao Amajari, topei e fomos, mas só que ele foi direto pro instituto. Ele estava com a pasta com as xérox dos meus documentos, e eu não sabia, e, quando cheguei lá, ele tinha me matriculado; só faltava eu levar os documentos”, contou sorrindo.

Polo Truaru da Cabeceira

Samara diz que iniciou o curso para satisfazer o marido, mas começou a gostar, e nunca faltou a uma aula que não fosse por motivo de saúde. Até investiu em internet no sítio para conseguir fazer as atividades exigidas. O aprendizado das aulas mudou para melhor os negócios, uma vez que o trabalho é o mesmo, mas a rentabilidade e a produção triplicaram.  “Por ser criada no mundo da pimenta, eu batia no peito, muito ignorante, e falava que já sabia tudo, mas não sabia. Eu estava cometendo erros, e corrigi com o curso. Fazendo de maneira correta, consegui triplicar minha renda.”, frisou.

Samara comenta ter outros certificados de cursos em várias áreas, mas esse que ela está concluindo veio para selar. “O curso veio contribuir de maneira muito satisfatória. Se tiver outro curso ligado ao solo, com certeza eu faço. Quero agradecer ao instituto, à equipe gestora, a todos os diretores e aos mestres, que incansavelmente viajam para ministrar aula nos polos. Se estavam com problemas de saúde, de família ou cansados, nunca deixaram que isso atrapalhasse as aulas. Agradeço imensamente aos mestres que vieram aqui, porque são maravilhosos”, finalizou. 

 

 

Ascom/IFRR
Rebeca Lopes
Fotos: Nenzinho Soares/IFRR
26/12/19

 

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